Em Cem Anos de Solidão, José Arcádio Buendia tem uma insônia profunda, noites inteiras de vigília, uma atrás da outra. Chega a tal ponto que todos os dias parecem ser um mesmo interminável dia. Começa em uma segunda-feira e, sem o expediente do sono, sempre que o sol nasce novamente, ele tem a impressão de que ainda é o mesmo dia. Sempre uma segunda-feira sem fim. Já pensou? Me parece um pesadelo fabuloso, como Gabriel García Márquez expressa em um outro momento do livro.

Pesadelo, porque pelo menos eu, particularmente, me sinto às avessas às segundas. É que eu demoro pra pegar no tranco e é aos solavancos que vou me esquentando pra semana. E fabuloso, porque, sejamos honestos, o que seria de nós sem as segundas-feiras? A segunda é como aquele despertador velho, invulnerável ao mecanismo da soneca, que nos acorda para o que realmente importa: a autodisciplina, o foco, o serviço. É como se ela nos acordasse num súbito e expusesse nossa nudez sob um chuveiro de água fria, em um dia invernal de São Paulo. Não há para onde fugir: ou acordamos ou acordamos.

Se aceitamos, bom humor. Senão, mau humor. De um jeito ou de outro, devemos às segundas a nossa capacidade de nos colocar no prumo novamente. “O essencial é não perder a orientação”, como o próprio livro diz.

Nesse sentido, o domingo tem seu mérito. Tem sua eloquência afeita a uma das armas de persuasão de Robert Cialdini: é só hoje, última oportunidade. E tem também sua aura preparatória para a semana vindoura. Talvez, por essas razões, é um dos meus dias prediletos.

Começo meu domingo livre, sem despertador. Quando levanto, me sinto intimamente grata por ser uma pessoa “do dia” – por dormir e acordar cedo, e poder aproveitar melhor as horas sempre ensolaradas (com chuva ou não, domingo é sempre de sol). Um momento sublime de apreciação. Do fazer, do querer, do comer. Sem hora para cumprir. À vontade.

Então, finalmente, a partir do meio da tarde, começo a minha preparação para a semana – para a segunda-feira.

Vou desacelerando, excluindo o que pode atrapalhar meu sono, incluindo o que vai me ajudar a acordar com mais disposição. E ao fim do dia, pego minha agenda de papel e dou início a um dos momentos mais prazerosos da minha rotina: planejar o meu dia, organizar a minha vida, realizar meus sonhos.

Se sexta é dia da maldade, segunda é dia da bondade: um bem que talvez a gente não perceba diante da insistência obstinada do despertador, mas que no fundo sabemos que funciona no longo prazo.

Popularizemos o #segundou. A segunda-feira nos espera fabulosa.

TODO ELEVADOR É
UM BECO SEM SAÍDA?

Cada elevador tem seu silêncio e sua espera e, em tempo de pandemia, sua agonia.

Outro dia, voltando do mercado, encontrei esperando pelo elevador uma mulher com seus cinquenta e poucos anos e com algumas sacolas de mercado. De cabeça baixa, olhando fixamente para a porta do ascensor, ela me cumprimentou num gesto frio próprio da ocasião. Embora vizinhas, ainda não nos conhecíamos.

Quando o elevador chegou, ela entrou diretamente para o fundo e lá permaneceu com o rosto virado até eu sair. Percebi minha falta e me desculpei por não ter perguntado se ela preferia subir sozinha. Muito educadamente, ela respondeu que tudo bem e que se protegeria mantendo-se de costas pra mim.

E lá fomos nós.

1º andar.

2º andar.

3º andar.

4º andar.

5º andar.

6º andar.

7º andar.

8º andar.

9º andar.

10º andar.

Num silêncio que parecia eterno e numa agonia que reverberava pelas quatro paredes metálicas, seguimos subindo pelos andares-sem-fim até finalmente chegar ao décimo-primeiro, onde eu desci.

Me despedi com um boa tarde e saí.

Ela se despediu e também saiu.

No prédio havia onze andares. Não havia para onde escapar.

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A Tartaruguinha

SEGUNDA-FEIRA:
UM PESADELO FABULOSO